DENÚNCIA VAZIA DE
PROCURADOR CONTRA
PROMOTOR É REJEITADA
Em sessão realizada
no dia de ontem pela manhã, o Tribunal Pleno do TJE, sob a presidência do
desembargador Leonardo Tavares, fulminou
as pretensões caricatas do Ministério Público estadual, representado pelo
seu membro/procurador Ricardo Albuquerque, que fez oferecimento de denúncia
crime contra o intrépido Promotor de justiça Militar Armando Brasil.
A peça acusatória
fora distribuída para relatoria do sapiente desembargador (foto) Romulo Nunes, que não
titubeou em negar todos os alegados por Ricardo Albuquerque, que ajuizou a
perola “atendendo” as lamúrias do coronel/reserva bombeiro José Ribamar Matos,
que ao ser denunciado juntamente com sua cúpula de oficiais, por crimes
militares e ao final do processo absolvido, viu-se no direito de incriminar o
dedicado Promotor de Justiça, este, que incomoda por demais por sua atuação
correta, os desvairados militares de Bombeiros e Policiais Militares, que não
são poucos a usarem a instituição para se locupletarem do erário.
Ribamar fora absolvido por seus próprios pares, quiçá,
beneficiados com suas tramoias expostas na denúncia feita pelo fiscal das leis
Armando Brasil.
A denúncia contra a atuação do Promotor Militar, emergiu de um curral do mal entendimento, como se faz leitura da decisão do 21 desembargadores, que rejeitaram a denúncia em todos os sentidos, e ainda, o dedicado desembargador relator do feito, Romulo Nunes, esmiuçou os descalabros de tão burlesca denunciação; esta sim; Caluniosa!
Há de se
perguntar: Armando Brasil irá representar contra Albuquerque por denunciação
caluniosa? Sim, a peça ora rejeitada se quer teve seguimento, já a que
Albuquerque defendia fora processada e julgada, logo não houvera nenhum crime
praticado por Armando Brasil que exerceu seu mister de Fiscal das Leis
realmente, e não atuara por vindita, como se vislumbra a peça rejeitada pelos
desembargadores na sessão de ontem.
Podeira aqui mais
detalhes expor, porém, como a aula do desembargador Romulo Nunes é maior,
transcreverei na integra seu relatório e decisão, para que sirva de exemplo para
tantos quantos se acharem blindados no manto da corrupção, e ainda atacarem
cidadãos imbuídos do dever fiscalizar e coibir os desmando de inquilinos dos
Poderes e de bandidos institucionalizados.
Faço transcrição:
PROCEDIMENTO CRIMINAL Nº:
0002322-02.2018.8.14.0000.
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARÁ.
DENUNCIADO: ARMANDO BRASIL TEIXEIRA.
RELATOR: DES. RÔMULO NUNES.
Ementa: penal. processual penal.
procedimento criminal de competência originária contra promotor de justiça.
juízo de delibação da acusação. primeiro delito de denunciação caluniosa.
promotor de justiça foi denunciado pelo crime do art. 339 do CPB porque ofereceu
denúncia por peculato contra o coronel bombeiro josé ribamar matos, o qual veio
a ser inocentado ao final do processo. É elementar do crime de denunciação
caluniosa a imputação de crime a quem se sabe inocência. dúvida do promotor de
justiça quanto a verdadeira inocência da vítima ao tempo da denúncia, pois
presentes indícios de autoria e de materialidade do delito. denúncia que foi
recebida, mas ao final julgada improcedente com a absolvição do ofendido.
promotor de justiça que agiu dentro de seu múnus público, em obediência a sua
atribuição constitucional e no cumprimento de seu dever funcional, iniciando
persecução penal por suposto crime de peculato, em obediência ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública. clara ausência do dolo direto, cuja prova
independe de instrução probatória. caso que demanda prova eminentemente
documental que já acompanha a denúncia, autorizando o julgador a constatar de
pronto a falta de dolo direto. atipicidade do fato e ausência de justa causa.
tentativa de se criminalizar a atuação legítima dos órgãos do ministério
público. impossibilidade. denuncia não recebida quanto a esta primeira
infração. segundo crime de denunciação
caluniosa. promotor de justiça denunciado que solicitou a abertura de inquérito
policial para apurar eventual delito, em razão da vítima ter oferecido
queixa-crime pela sua atuação enquanto promotor de justiça, ao ingressar com
ação penal pelo delito de peculato. promotor de justiça que agiu dentro do seu
direito de petição do qual é corolário o direito de
noticiar fatos criminosos às
autoridades policiais. ausência de animus caluniandi. simples pedido para
apuração dos fatos não caracteriza crime. falta do elemento subjetivo. matéria
já apreciada pelo conselho nacional de justiça do ministério público, o qual decidiu
pelo arquivamento da reclamação disciplinar entendendo que o promotor de
justiça não agiu com abuso de direito, mas sim amparado pela sua independência
funcional. a ausência de dolo é patente, cabal e independe de instrução
processual, já que os elementos de convicção se encontram encartados nos autos.
denuncia não recebida. artigos 41 e 395, inc. III, do CPPB. Unânime.
A)
do
juízo de delibação
I. É cediço que nesta fase do
procedimento, conhecido como juízo de delibação, há que ser feito tão-somente
um juízo de admissibilidade da acusação,
verificando se a mesma possui o mínimo de plausibilidade e preenche os
requisitos legais, a fim de que sejam evitadas lides temerárias, fruto de
perseguição aos agentes públicos com prerrogativa de foro. A exordial
acusatória deve
conter a exposição do fato criminoso
com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do
delito, acompanhada do rol de testemunhas e demais diligências, tudo com fulcro
no artigo 41 do CPPB. Quanto à descrição do fato criminoso, sabe-se que é
fundamental que a denúncia conte precisamente os fatos, a fim de proporcionar o
exercício do direito de defesa do acusado, pois a deficiência ou até a ausência
de narrativa merecerá a rejeição por parte do magistrado (art. 395, inciso I
do CPPB). In casu, a denúncia narra
satisfatoriamente os fatos delituosos nela delineados. Com efeito, a denúncia
imputa ao acusado o cometimento do crime do art. 339 do CPB em duas ocasiões
distintas. A primeira quando do oferecimento da denúncia por peculato. A
segunda, quando o denunciado solicitou a abertura de inquérito policial para
apurar eventual delito, em razão da vítima ter oferecido queixa-crime contra a
sua pessoa;
B) do primeiro crime de denunciação
caluniosa pelo oferecimento da denúncia contra a vítima por peculato
II. O crime de denunciação caluniosa
está descrito no art. 339 do CPB: dar causa à instauração de investigação
policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa,
inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe
crime de que o sabe inocente: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa..
Pela leitura do dispositivo observa-se que são três
os elementos básicos do citado tipo
penal: vítima determinada, a imputação de delito ou contravenção e a
consciência de que o sujeito acusado é inocente. Trata-se de crime complexo,
visto que é formado pela fusão de outros dois delitos, quais sejam: o crime de
calúnia com a conduta ilícita de noticiar à autoridade pública a prática de
crime ou contravenção penal e sua respectiva autoria.
Portanto, se o sujeito ativo se limita
a imputar falsamente um delito a alguém, deverá ser penalmente responsabilizado
por calúnia.
No entanto, se o sujeito ativo leva a
imputação falsa a autoridade pública que, por sua vez, dá causa a instauração
de investigação policial, processo judicial ou ação de improbidade
administrativa, surge o tipo penal de denunciação caluniosa, o qual está
capitulado no art. 339 do CPB dentre os crimes contra a Administração da
Justiça, já que o bem penalmente protegido pela norma não é apenas a honra da
pessoa injustamente denunciada. O elemento subjetivo é o dolo direto, uma vez
que o legislador se valeu da expressão imputando-lhe crime de que o sabe
inocente. Logo, temos que é condição sine qua non para a caracterização do
delito o efetivo conhecimento do agente acerca da inocência do sujeito passivo
que teve contra si a imputação de infração penal. Desta feita, inexiste
denunciação caluniosa se o agente tem dúvida quanto a inocência da pessoa
contra a qual atribuiu a infração, uma vez que o art. 339 do CPB não admite nem
o dolo eventual e nem a culpa como elementos subjetivos. Precedentes;
III. Quando o órgão ministerial
ofereceu denúncia contra a vítima pelo crime de peculato, o fez juntamente
contra outros oficiais do corpo de bombeiros, o que desde já afasta a versão de
que o denunciado teria agido por motivos pessoais, munido do desejo de prejudicar
deliberadamente o ofendido. Estavam presentes os requisitos mínimos para a
persecução criminal, isto é, indícios de autoria e materialidade do delito,
tanto que a denúncia foi aceita e a ação penal processada pela autoridade
judiciária. Ao tempo da
denúncia, nem o Promotor de Justiça e
nem mesmo o Juiz tinham certeza da inocência do coronel, ora vítima. Tal dúvida
tem o condão de afastar, por si só, o dolo direto descrito no tipo penal, sem o
qual a conduta torna-se atípica, já que o legislador foi bem claro ao consignar
na norma a elementar: imputando-lhe crime de que o sabe inocente. Na hipótese,
o Promotor de Justiça agiu dentro de seu múnus público, ou seja, em observância
a sua atribuição constitucional e no cumprimento de seu dever funcional,
iniciando persecução penal por suposto
crime de peculato, em obediência estrita ao princípio da obrigatoriedade da
ação penal pública. Não se pode buscar a criminalização do trabalho do
Ministério Público, instituição que é tão importante para a existência do próprio
Estado Democrático de Direito, conforme assentado no art. 127 da CR/88, verbis:
o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e
dos
interesses sociais e individuais
indisponíveis. Se toda a exordial acusatória que redundar em absolvição do réu
levar o Promotor de Justiça para a cadeia, em breve será comprometida a
atividade precípua do Ministério Público que é exercer a titularidade da ação penal
pública. Igualmente, estaremos lançando uma responsabilidade enorme no colo do
Poder Judiciário já que uma sentença absolutória levaria eventualmente a
responsabilização criminal do órgão ministerial. Se havia dúvida quanto a
inocência dos coronéis deve ser afastado o dolo direto. Consequentemente, se
não há dolo, também não há crime de denunciação caluniosa e se o fato é atípico,
prima facie, inexiste justa causa para persecução penal. Denúncia não recebida
quanto a este crime. Precedentes;
C) do segundo crime de denunciação
caluniosa
IV. A segunda imputação criminosa
contida na exordial diz respeito a solicitação de inquérito policial para
apurar eventual delito, em razão da vítima, coronel José Matos, ter ingressado
com representação no Ministério Público contra o Promotor de Justiça, bem como
com ação penal privada, em razão de sua atuação no processo criminal que
apurava o crime de peculato. O Promotor de Justiça sentiu-se na obrigação de
noticiar os fatos a polícia para que investigasse eventual crime cometido pelo
coronel da reserva, solicitando a instauração de inquérito policial. A vítima
sequer chegou a ser processada criminalmente, pois apesar de disparada a ação
penal, a denúncia, ao fim e ao cabo, não foi adiante, já que o fato foi
considerado atípico pelo julgador de primeira instância, o que por si só já
fragiliza a presente acusação, pois configura-se igualmente atípica a conduta
daquele que imputa a terceiro a prática
de fato também atípico. Não se pode
criminalizar um direito fundamental que todo o cidadão detém que é o direito de
petição, do qual é corolário o direito de noticiar fatos supostamente
criminosos para que as autoridades policiais os investiguem. Entre uma notitia criminis
e o crime de denunciação caluniosa há um abismo grande, o qual só pode ser
transposto existindo o dolo direto. Não se deve confundir animus narrandi, com
animus caluniandi, este último sim presente no crime de denunciação caluniosa.
Nesta figura típica o sujeito ativo tem a vontade deliberada de provocar
investigação ou processo judicial, por acusação que tem ciência ser objetiva e
subjetivamente falsa. Simples pedido para apuração dos fatos não caracteriza
crime. Deveria a acusação se desincumbir do ônus de demonstrar claramente que
as alegações feitas na solicitação para a abertura de inquérito policial eram
falsas e que Promotor de Justiça tinha conhecimento dessa falsidade, a fim de
caracterizar o elemento subjetivo, sem o qual não há crime. A atipicidade é
manifesta, estampada, patente e eloquente, de forma que o recebimento da
inicial acusatória geraria uma lide temerária, fadada ao insucesso. In casu, a
prova é eminentemente documental e foi em grande parte trazida aos autos pelo Ministério
Público, de modo que já há elementos de convicção suficientes para que se possa
analisar a existência do elemento subjetivo. O caso já foi apreciado pelo
Conselho Nacional do Ministério Público, na reclamação disciplinar n.º
1.0047/2018-72, tendo o Corregedor Nacional do Conselho arquivado o feito, por
entender que o Promotor de Justiça ora denunciado não agiu com abuso de
direito, mas sim amparado pela sua independência funcional, de modo que não
teria havido qualquer infração disciplinar a ser apurada. Precedentes;
V. Denuncia não recebida, ex vi do
artigos 41 e 395, inciso III, do CPPB . Decisão unânime.
A C Ó R
D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes
autos, acordam os Desembargadores do Tribunal Pleno, por unanimidade, em não
receber a denúncia formulada contra do Promotor de Justiça Armando Brasil
Teixeira, na conformidade do voto do relator. Julgamento presidido pelo Des.
Leonardo de Noronha Tavares.
Belém, __ de agosto de 2019.
Desembargador RÔMULO JOSÉ FERREIRA
NUNES
Relator
relatório
Tratam os autos de denúncia oferecida
pelo Procurador de Justiça Ricardo Albuquerque da Silva, contra o Promotor de
Justiça, Armando Brasil Teixeira, pela prática do crime de denunciação
caluniosa, tipificado no art. 339, combinado com o art. 69, todos do CPB,
cometido, em tese, contra o senhor José Ribamar Matos, Coronel da Reserva do
Quadro de Oficiais Bombeiro Militar - QOBM.
Narra à denúncia que no dia 11 de maio
de 2007 o acusado, no exercício do cargo de Promotor de Justiça, ofereceu
denúncia em desfavor do coronéis bombeiros José Ribamar Matos, João Hilberto
Sousa de Figueiredo, Francisco da Luz, Marcos Lopes, Álvaro Dias, Zanelli
Antônio do Nascimento, Orlando Antônio Frade, José Cupertino Correa, Márcio
Vinícius Pereira, Celso Piquet e Paulo Sérgio Dias, pela prática do crime de
peculato, tipificado no art. 303 do CPM. Ocorre que em 24 de maio de 2013 todos
denunciados foram absolvidos, tendo o juízo se convencido da inexistência do
fato criminoso, ex vi do disposto no art. 439, alínea a do CPPM.
Inconformado, o denunciado, valendo-se
do cargo de Promotor de Justiça e sabendo da inocência dos acusados, teria apelado
da sentença absolutória, a qual foi mantida pela 2ª Câmara Criminal Isolada,
conforme Acórdão 155.288/2016.
Todavia, o coronel José Ribamar Matos, sentindo-se
atingido em sua dignidade com a acusação indevida, imputando-lhe o crime de peculato,
ofertou queixa-crime contra o Promotor de Justiça, ora denunciado. Recebida a
inicial, o Desembargador Milton Augusto de Brito Nobre teria determinado que o
querelante comprovasse a falta de interesse do Ministério Público em apurar a
aludida notitia criminis, pois não constava no bojo da exordial menção à
inercia do órgão ministerial em instaurar a persecução penal contra o órgão
ministerial acusado. Após o querelante ter requerido desistência, a ação penal
privada foi arquivada por decisão do Eminente Desembargador Relator.
Foi então que o Promotor de Justiça
denunciado, sentindo-se indignado, teria solicitado a abertura de inquérito
policial para apurar eventual crime de denunciação caluniosa cometido pelo
coronel da reserva, quando ofereceu queixa-crime contra ele. Após o indiciamento
do investigado, a ação penal pública foi proposta contra o coronel,
imputando-lhe a autoria do delito do art. 339 do CPB.
Contudo, o representante ministerial
teria postulado pela absolvição sumária do coronel/vítima, razão pela qual a
juíza teria revogado a decisão que recebeu a inicial acusatória, determinando,
em seguida, o arquivamento do feito por falta de dolo.
Esses são, portanto, os fatos de que
deram ensejo a denúncia em apreço, a qual imputa ao Promotor de Justiça Armando
Brasil o cometimento do crime de denunciação caluniosa por duas vezes. Segundo
narra o Procurador de Justiça, o primeiro delito teria sido cometido quando
houve o oferecimento de denúncia contra os coronéis bombeiros pela prática do
delito de peculato, definido no art. 303 do CPM. Por outro lado, o segundo
crime teria sido praticado pelo Promotor de Justiça quando solicitou a abertura
de inquérito policial para apurar eventual delito do art. 339 do CPB praticado
pelo coronel ora vítima, inquérito este que gerou o oferecimento de denúncia,
posteriormente arquivada por ausência de dolo.
Junto com a exordial vieram os autos da
representação 019504-003/2018 proposta pela vítima na 8ª
procuradoria de justiça criminal contra
o Promotor de Justiça Armando Brasil.
Distribuído o feito à Eminente Desa.
Maria de Nazaré Silva Gouveia dos Santos, foi determinado a notificação do
acusado, nos termos do art. 4° da Lei n° 8.038/90 c/c o art. 1º da Lei nº
8.658/93, para que apresentasse defesa preliminar no prazo de quinze dias.
Nesta ocasião, a defesa afirmou que o
denunciado apenas exerceu o seu munus público oferecendo denúncia contra o
ofendido, pois estavam presentes à época os requisitos mínimos para a
persecução penal, quais sejam, prova da materialidade do crime e indícios de
autoria. Alegou que a ação penal foi proposta contra todos os coronéis
envolvidos no fato e não apenas contra a vítima, rechaçando, portanto, que
tenha havido perseguição pessoal do Promotor de Justiça contra o ofendido,
quando formulou a
denúncia pelo crime de peculato.
No que tange ao segundo crime de
denunciação caluniosa, alega que o órgão ministerial acusado não requereu a
abertura de inquérito policial, mas tão somente solicitou que a polícia
investigasse os fatos, valendo-se do seu direito de petição, insculpido no art.
art. 5º, XXXIV da CR/88, do qual é corolário o direito de apresentar notitia
criminis. Assim, concluiu que o denunciado não influenciou a decisão do
Delegado e do Promotor de Justiça que optaram, respectivamente, por indiciar e
oferecer denúncia contra o coronel, ora vítima.
Esclareceu que o Conselho Nacional do
Ministério Público ao ser provocado sobre os presentes fatos arquivou as
representações apresentadas contra o Promotor de Justiça, ora denunciado. Ao
fim e ao cabo, suscitou as teses de ausência de justa causa, falta de dolo
direto para a configuração do delito de denunciação caluniosa, pugnando, ao
final, pela rejeição da denúncia.
Foram juntados os documentos de folhas
36/51 dos autos.
Em cumprimento ao disposto no art. 239
do Regimento Interno do TJ/PA os autos foram encaminhados ao representante
ministerial, a fim de que se manifestasse sobre os novos documentos juntados. O
Ministério Público apresentou réplica as fls. 69/72 dos autos na qual requereu
mais uma vez o recebimento da exordial. Paralelamente, o patrono da vítima
também requereu prazo para se
manifestar sobre os documentos juntados
pela defesa, todavia, o pleito foi indeferido pela Eminente Desa. Nazaré
Gouveia, a qual o considerou impertinente (fl. 71).
O Ministério público se manifestou as
fls. 81/81-V pela admissão do ofendido na condição de assistente. Em decisão
subsequente, a Desa. Nazaré Gouveia se julgou suspeita, por motivo
superveniente, para processar e julgar o feito.
Os autos vieram à minha relatoria.
Na decisão de fls. 92/95 dos autos,
indeferi o pedido e determinei o desentranhamento dos documentos juntados pela
vítima, uma vez que, como não havia ação penal instaurada, não cabia a sua
admissão como assistente de acusação.
É o relatório.
VOTO
Tratam os autos de denúncia oferecida
pelo Procurador Geral de Justiça contra o Promotor de Justiça Armando Brasil
Teixeira, pela prática do crime de denunciação caluniosa, tipificado no art.
339 do CPB, cometido, em tese, contra o senhor José Ribamar Matos, Coronel do
Quadro de Oficiais Bombeiro Militar.
Antes de ingressar no juízo de
delibação, cumpre fazer um esclarecimento. O presente caso já foi parcialmente
apreciado pelo Poder Judiciário. Explico. Inicialmente, foi oferecida
representação criminal perante a Procuradoria Geral de Justiça contra o
Promotor de Justiça Armando Brasil, imputando-lhe o crime de Denunciação
Caluniosa Militar (art. 343 do CPM), em razão de sua atuação ao oferecer
denúncia por peculato contra o coronel José Ribamar Matos, ora vítima. Todavia,
o Procurador Geral a época, Dr. Marco Antônio Ferreira das Neves, entendendo
que a conduta do Promotor de Justiça Armando Brasil era atípica por falta do
dolo, requereu o arquivamento do feito, o que foi determinado pela relatora,
Desa. Nazaré Gouveia, fato que levou o advogado do ofendido a peticionar
advertindo que levaria o caso ao conhecimento do Conselho Nacional de Justiça,
devido ao seu inconformismo. Embora
o pedido de arquivamento não obste o
oferecimento de nova denúncia pelo mesmo fato, agora imputando
o delito de denunciação caluniosa,
capitulado no art. 339 do CPB, reputo prudente rememorar a corte
acerca destes fatos, a fim de facilitar
a decisão dos meus pares. Dito isto, passo ao juízo de delibação.
DO JUÍZO DE DELIBAÇÃO DA ACUSAÇÃO
É cediço que nesta fase do
procedimento, conhecido como juízo de delibação, há que ser feito tão- somente
um juízo de admissibilidade da acusação, verificando se a mesma possui o mínimo
de plausibilidade e preenche os requisitos legais, a fim de que sejam evitadas
lides temerárias, fruto de perseguição aos agentes públicos com prerrogativa de
foro. A exordial acusatória deve conter a exposição do fato criminoso com todas
as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a
classificação do delito, acompanhada do
rol de testemunhas e demais diligências, tudo com fulcro no artigo 41 do CPPB.
Quanto à descrição do fato criminoso,
sabe-se que é fundamental que a denúncia conte precisamente os fatos, a fim de
proporcionar o exercício do direito de defesa do acusado, pois a deficiência ou
até a ausência de narrativa merecerá a rejeição por parte do magistrado (art.
395, inciso I do CPPB). In casu, conforme já debulhado acima, constato que a
denúncia narra satisfatoriamente os fatos delituosos nela delineados. Com
efeito, a denúncia imputa ao acusado o cometimento do crime do art. 339 do CPB
em duas ocasiões distintas. A primeira quando do oferecimento da denúncia por
peculato. A segunda, quando o denunciado solicitou a abertura de inquérito
policial para apurar eventual delito, em razão da vítima ter oferecido
queixa-crime contra a sua pessoa. Esclareço que durante o juízo de delibação,
irei analisar cada crime em separado, em análise restrita a critérios
eminentemente técnicos, despida de sentimento pessoal como, aliás, deve ser
pautada toda a atividade jurisdicional do Estado.
DO PRIMEIRO CRIME DE DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA PELO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA CONTRA A VÍTIMA POR PECULATO
O crime de denunciação caluniosa veio
descrito no art. 339 do CPB. Art. 339. Dar causa à instauração de investigação
policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa,
inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém,
imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Pena - reclusão, de dois a oito
anos, e multa.
Pela leitura do dispositivo acima
transcrito observa-se que são três os elementos básicos do citado tipo penal:
vítima determinada, a imputação de crime ou contravenção e a consciência de que
o sujeito acusado é inocente. Trata-se de crime complexo, visto que é formado
pela fusão de outros dois delitos, quais sejam: o crime de calúnia com a
conduta ilícita de noticiar à autoridade pública a prática de crime ou
contravenção penal e sua respectiva autoria. Portanto, se o sujeito ativo se
limita a imputar falsamente um delito a alguém, deverá ser penalmente
responsabilizado por calúnia. No entanto, se o sujeito ativo leva a imputação
falsa a autoridade pública que, por sua vez, dá causa a instauração de
investigação policial, processo judicial ou ação de improbidade administrativa,
surge o tipo penal de denunciação caluniosa, o qual está capitulado no art. 339
do CPB dentre os crimes contra a Administração da Justiça, já que o bem
penalmente protegido pela norma não é apenas a honra da pessoa injustamente
denunciada.
O elemento subjetivo é o dolo direto,
uma vez que o legislador se valeu da expressão imputando-lhe crime de que o
sabe inocente.
Logo, temos que é condição sine qua non
para a caracterização do delito o efetivo conhecimento do agente acerca da
inocência do sujeito passivo que teve contra si a imputação de infração penal.
Desta feita, inexiste denunciação caluniosa se o agente tem dúvida quanto a
inocência da pessoa contra a qual atribuiu a infração, uma vez que o art. 339
do CPB não admite nem o dolo eventual e nem a culpa como elementos subjetivos.
É o entendimento da doutrina
majoritária:
[...] É o dolo direto, pois o tipo penal
utiliza a expressão imputando-lhe crime de que sabe inocente. É indispensável o
efetivo conhecimento do agente acerca da inocência da pessoa que teve contra si
atribuída uma infração penal. A dúvida sobre a responsabilidade da pessoa no
tocante à infração penal que lhe é imputada indica a presença de dolo eventual,
e exclui o delito.
Exige-se também o dolo relativamente à
instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa. O crime de denunciação caluniosa é incompatível com a modalidade
culposa [...]
Dito isto, cumpre examinar a tipicidade
da conduta do Promotor de Justiça que, ao oferecer denúncia contra alguém que,
ao final do processo, vem a ser inocentado por inexistência do fato. Teria o
representante ministerial cometido o crime de denunciação caluniosa? Ao meu
ver, no presente caso não, uma vez que está ausente de forma patente e
irrefutável o elemento subjetivo exigido pela norma penal incriminadora para a
tipificação do delito do art. 339 do CPB.
Deveras, quando o órgão ministerial
ofereceu denúncia contra a vítima pelo crime de peculato, o fez juntamente
contra outros oficiais do corpo de bombeiros, o que desde já afasta a versão de
que o denunciado teria agido por motivos pessoais, munido do desejo de prejudicar
deliberadamente o ofendido. No mais, observa-se que estavam presentes os
requisitos mínimos para a persecução
criminal, isto é, indícios de autoria e
materialidade do delito, tanto que a denúncia foi aceita e a ação penal
processada pela autoridade judiciária. Logo, ao tempo da denúncia nem o
Promotor de Justiça e nem mesmo o juiz tinham certeza da inocência do coronel
denunciado. Tal dúvida tem o condão de afastar, por si só, o dolo direto
descrito no tipo penal, sem o qual a conduta torna-se atípica, já que o
legislador foi bem claro ao consignar na norma a elementar: imputando-lhe crime
de que o sabe inocente.
Na hipótese, o Promotor de Justiça
denunciado agiu dentro de seu múnus público, ou seja, em observância a sua
atribuição constitucional e no cumprimento de seu dever funcional, iniciando
persecução penal por suposto crime de peculato, em obediência estrita ao
princípio da obrigatoriedade da ação penal pública.
Neste passo cabe uma exortação. Como
diria o Eminente Ministro Marco Aurélio Mello, estamos vivendo tempos
estranhos! Não se pode buscar a criminalização do trabalho do Ministério
Público, instituição que é tão importante para a existência do próprio Estado
Democrático de Direito, conforme
assentado no art. 127 da CR/88, verbis: o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis.
Ora, se toda a exordial acusatória que
redundar em absolvição do réu levar o Promotor de Justiça para a cadeia, em
breve será comprometida a atividade precípua do Ministério Público que é
exercer a titularidade da ação penal pública. Igualmente estaremos lançando uma
responsabilidade enorme no colo do Poder Judiciário já que uma sentença
absolutória levaria eventualmente a responsabilização criminal do órgão
ministerial que a propôs.
Frise-se mais uma vez, se o órgão
ministerial optou por oferecer a denúncia é porque não estava convencido da
inocência do acusado. Era, portanto, possível estar-se diante de eventual crime
que, como qualquer outro, deveria ser processado. Ora, o Promotor de Justiça
não procurou, por mero espírito de emulação, imputar falsamente um crime a
alguém que sabia não o ter cometido. Nem o juiz estava ab initio convencido da
inocência do acusado, pois se a exordial foi recebida, havia indícios de
autoria.
Se havia dúvida quanto a
responsabilidade criminal dos coronéis deve ser afastado o dolo direto.
Consequentemente, se não há dolo, também não há crime de denunciação caluniosa
e se o fato é atípico prima facie, inexiste justa causa para persecução penal.
Logo, não recebo a denúncia neste ponto.
Em casos semelhantes o Poder Judiciário
assim tem se pronunciado:
INQUÉRITO. DENÚNCIA CONTRA DEPUTADA
FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA (ART. 102, I, ‘b’, CRFB). DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA
(ART. 339 DO CP). DOLO DIRETO NÃO CONFIGURADO. EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE
PETIÇÃO (ART. 5º, XXXIV, ‘a’, CRFB). CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE (ART. 23,
III, CP). PRECEDENTES. DOUTRINA. PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL JULGADA
IMPROCEDENTE. 1. O crime de denunciação caluniosa (art. 339 do CP) exige, para
sua
configuração, que o agente tenha dolo
direto de imputar a outrem, que efetivamente sabe ser inocente, a prática de
fato definido como crime, não se adequando ao tipo penal a conduta daquele que
vivencia uma situação conflituosa e reporta-se à autoridade competente para dar
o seu relato sobre os acontecimentos. Precedente (Inq 1547, Relator(a): Min.
CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO URÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 21/10/2004). 2. A doutrina sobre o tema assenta que, verbis: Para perfeição
do crime não basta que o conteúdo da denúncia seja desconforme com a realidade;
é mister o dolo. (…) Se ele [o agente] tem convicção sincera de que aquele
realmente é autor de certo delito, não cometerá o crime definido (NORONHA,
Edgard Magalhães. Direito Penal. 4º volume. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1976. p.
376-378). 3. A Constituição assegura, no seu art. 5º, XXXIV, ‘a’, o direito
fundamental de petição aos poderes públicos, de modo que o seu exercício
regular é causa justificante do oferecimento de notitia criminis (art. 23, III,
do Código Penal), não sendo o arquivamento do feito instaurado capaz de tornar
ilícita a conduta do noticiante. 4. A jurisprudência desta Corte preceitua que,
verbis: A acusação por crime de denunciação caluniosa deve conter um lastro
probatório mínimo, no sentido de demonstrar que a instauração de investigação
policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de
improbidade administrativa teve por única motivação o interesse de atribuir
crime a uma pessoa que se sabe ser inocente (RHC 85023, Relator(a): Min.
JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 08/05/2007). 5. In casu: (i) consta
dos autos que a Polícia Federal realizou uma diligência na residência da ora
Denunciada, que, por sua vez, reclamou do horário em que efetivada a medida,
seguindo-se troca de hostilidades entre ela e o Delegado que comandou a
operação, inclusive com contato físico; (ii) a ora Acusada, então, apresentou
notitia criminis ao Ministério Público para que fosse averiguado eventual delito
cometido pelos policiais que realizaram a incursão em sua residência; (iii) o
procedimento administrativo instaurado, entretanto, foi arquivado, motivo pelo
qual foi proposta a denúncia ora apreciada, por denunciação caluniosa (art. 339
do CP); (iv) o vídeo que registrou a diligência não revela maiores detalhes do
contato físico entre os envolvidos, pelo que dele não se pode extrair a má-fé
da ora Acusada; (v) a própria exordial acusatória reconhece que o exame de
corpo de delito realizado na Denunciada apontou a existência de equimoses
avermelhadas, caracterizadas como lesões corporais leves, o que corrobora a
versão apresentada na notitia criminis, no sentido de que houve efetiva
agressão física. 6. Pretensão punitiva estatal julgada improcedente, nos termos
do art. 6º da Lei nº 8.038/90 e do art. 397, III, do Código de Processo Penal,
tendo em vista que o fato narrado na denúncia evidentemente não constitui
crime. (Inq 3133, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
05/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 10-09-2014 PUBLIC 11-09-2014) Passo
ao exame dos demais fatos narrados na presente denúncia.
DO SEGUNDO CRIME DE DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA
A segunda imputação criminosa contida
na exordial diz respeito a solicitação de inquérito policial para apurar
eventual delito, em razão da vítima, coronel José Matos, ter oferecido
queixa-crime infundada contra o Promotor de Justiça, ora denunciado.
Primeiramente, cumpre dizer que a
vítima havia ingressado com representação no Ministério Público contra o
Promotor de Justiça, bem como com ação penal privada, em razão de sua atuação
no processo criminal que apurava o crime de peculato. Logo, o promotor de
justiça Armando Brasil sentiu-se na obrigação de noticiar os fatos a polícia
para que investigasse eventual crime cometido pelo coronel da reserva,
solicitando a instauração de inquérito policial, verbis: [...] Senhor Delegado
Geral: Com os cumprimentos de estilo, solicito a V. Exa. nos termos do art. 4º
do Código de Processo Penal
Brasileiro abertura de Inquérito
Policial a fim de apurar a conduta delituosa de José Ribamar Matos, Coronel da
Reserva do Corpo de Bombeiros Militar[...]
No mais, a vítima sequer chegou a ser
processada criminalmente, pois apesar de disparada a ação penal, a denúncia, ao
fim e ao cabo, não foi adiante, já que o fato foi considerado atípico pelo
julgador de primeira instância, o que por si só já fragiliza a presente acusação,
pois configura-se igualmente atípica a conduta daquele que imputa a terceiro a
prática de fato também atípico. A propósito, assim já decidiu o STJ, verbis:
PENAL. HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO
CALUNIOSA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA
PARA A AÇÃO PENAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DOLO QUANTO AOS DELITOS EVENTUALMENTE
PRATICADOS. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS.
[...] II - No delito de denunciação caluniosa exige-se que haja por parte do
agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa.
Em outras palavras, deve o agente atuar contra a própria convicção,
intencionalmente e com conhecimento de causa, sabendo que o denunciado é
inocente. (Precedentes). [...] Ademais, a denunciação caluniosa exige que a
imputação verse sobre fato definido como crime. Vale dizer, configura-se
atípica a conduta
daquele que imputa a terceiro a prática
de fato também atípico (NILO BATISTA, in O Elemento Subjetivo do Crime de
Denunciação Caluniosa, Ed. Liber-Juris, Rio de Janeiro, 1975, pg. 55), hipótese
ocorrente nos autos. [...]. IV - Desta forma, evidenciada, na hipótese, a
atipicidade das condutas, imperioso o trancamento da ação penal relativa aos
delitos de denunciação caluniosa e falsidade ideológica. Ordem concedida. (HC
89.551/CE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 12/02/2008,
DJe 14/04/2008) Todavia, o que mais
chama atenção é a tentativa deliberada de se criminalizar um direito
fundamental que todo o cidadão detém que é o direito de petição, do qual é
corolário o direito de noticiar fatos supostamente criminosos para que as autoridades
policiais os investiguem. Entre uma notitia criminis e o crime de denunciação
caluniosa há um abismo grande, o qual só pode ser transposto
existindo o dolo direto. A esse
respeito, já tive oportunidade de me manifestar, em acordão de minha lavra, que
teve como revisora a Eminente Desa. Vânia Fortes. Vejamos:
EMENTA. APELAÇÃO PENAL – CRIME DE
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA – APELAÇÃO DOS ASSISTENTES DE ACUSAÇÃO – ALEGAÇÃO DE QUE
OS DOCUMENTOS, TESTEMUNHOS E O FATO DO INQUÉRITO POLICIAL QUE APUROU A SUPOSTA TENTATIVA
DE HOMICÍDIO E AMEAÇAS CONTRA OS APELADOS SÃO SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR QUE
ESTES
SABIAM QUE OS RECORRENTES ERAM
INOCENTES – DOLO DIRETO DEMOSTRADO – IMPROCEDÊNCIA – RECORRIDOS QUE TINHAM
FUNDADAS SUSPEITAS QUE OS APELANTES PODERIAM ESTAR LHES AMEAÇANDO POR ESTAREM INGRESSANDO
COM DEMANDAS JUDICIAIS CONTRA A EMPRESA QUE ESTES REPRESENTAVAM – ARQUIVAMENTO
DE
INQUÉRITO POLICIAL QUE NÃO TORNA
ILÍCITA A CONDUTA DOS APELADOS QUE REGISTRARAM OCORRÊNCIA POLICIAL EM DESFAVOR
DOS APELANTES – NOTITIA CRIMINIS QUE É COROLÁRIO DO DIREITO DE PETIÇÃO AOS
PODERES PÚBLICOS – INSUFICIÊNCIA DE PROVA CABAL DO DOLO DIRETO – SENTENÇA
ABSOLUTÓRIA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. Os
testemunhos e documentos juntados aos autos não fornecem a certeza
necessária de que os recorridos sabiam
que os apelantes não tinham qualquer envolvimento com os crimes de ameaça e
tentativa de homicídio. Portanto, não havendo prova cabal do dolo direto, a
manutenção do édito absolutório é medida que se impõe. Precedente do STF. 2. O
arquivamento do inquérito policial, decorrente dos boletins de ocorrência
registrados pelos apelados onde estes
comunicam que têm suspeitas de que os
apelantes estariam envolvidos na prática de tentativa de homicídio e ameaças em
represália às ações judiciais que os recorridos ajuizaram contra a empresa para
qual os recorrentes trabalhavam, não é capaz de tornar ilícita a conduta de
comunicar à autoridade policial a ocorrência do crime, tendo em vista que a
notitia criminis é corolário do direito fundamental de petição ao Poder Público
de solicitar providências para garantir o exercício dos seus direitos,
inclusive de pedir que se investigue condutas criminosas que são vítimas.
Precedente do STF. 3. Recurso conhecido e improvido. Decisão unânime.
(APELAÇÃO PENAL Nº
0008511-98.2011.8.14.0401. RELATOR: DESEMBARGADOR RÔMULO JOSÉ FERREIRA NUNES. APELANTES:
ARMANDO RODRIGUES CARNEIRO JUNIOR E NELSON RIBEIRO. DE MAGALHÃES E SOUZA –
ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. APELADOS: RUI MARTINI SANTOS E LUIZ AUGUSTO PIMENTEL
MELLO. PROCURADOR DE JUSTIÇA: CLÁUDIO BEZERRA DE MELO. REVISORA: DESEMBARGADORA
VÂNIA FORTES BITAR)
Não se deve confundir animus narrandi,
com animus caluniandi, este último sim presente no crime de denunciação
caluniosa. Nesta figura típica o sujeito ativo tem a vontade deliberada de
provocar investigação ou processo judicial, por acusação que tem ciência ser objetiva
e subjetivamente falsa. Simples pedido para apuração dos fatos não caracteriza
crime. Deveria a acusação se desincumbir
do ônus de demonstrar claramente que as
alegações feitas na solicitação para a abertura de inquérito policial eram
falsas e que Promotor de Justiça tinha conhecimento dessa falsidade, a fim de
caracterizar o elemento subjetivo, sem o qual não há crime.
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E
PROCESSUAL PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. DENÚNCIA GENÉRICA. INÉPCIA.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE OS
FATOS CITADOS PELO PACIENTE FOSSEM FALSOS, BEM COMO DE SEU
CONHECIMENTO SOBRE ESSA FALSIDADE.
PEDIDO DE ENVIO DE PEÇAS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA APURAÇÃO DE
EVENTUAIS IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE
ANIMUS CALUNIANDI. CONDUTAS DESCRITAS NO REQUERIMENTO FEITO PELO PACIENTE QUE,
À EVIDÊNCIA, NÃO CONSTITUEM CRIMES. ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. CONFIRMAÇÃO DA LIMINAR. ORDEM CONCEDIDA. 1. O delito de denunciação
caluniosa exige que a acusação seja objetiva e subjetivamente falsa, vale
dizer, que esteja em contradição com a verdade dos fatos e que haja por parte
do agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática
criminosa. O dolo é a vontade de provocar investigação policial ou processo
judicial. (HC 25.593/MT, Rel. Min. JORGE
SCARTEZZINI, DJU 03.05.2004). 2. A denúncia deve demonstrar, por meio de fatos
concretos, que as alegações feitas pelo paciente eram falsas e que ele tinha
conhecimento dessa falsidade, com a finalidade de caracterizar o elemento
subjetivo, indispensável à configuração do crime de denunciação caluniosa. 3.
Simples pedido de apuração de irregularidades, sem a descrição de qualquer fato
que corresponda a uma figura típica, não caracteriza, por si só, o delito de denunciação
caluniosa, por restar evidente que as condutas narradas não constituem crimes,
ensejando o trancamento da Ação Penal, por atipicidade da conduta. 4. Ordem concedida,
para trancar a Ação Penal proposta contra o paciente, por falta de justa causa,
confirmando-se a liminar, nos termos do parecer do MPF. (HC 58.961/ES, Rel.
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 07/08/2007, DJ
27/08/2007, p. 278) A propósito, o caso já foi até apreciado pelo Conselho
Nacional do Ministério Público, na reclamação disciplinar n.º 1.0047/2018-72, tendo
o Corregedor Nacional do Conselho arquivado o feito, por entender que o
Promotor de Justiça ora denunciado não agiu com abuso de direito, mas sim
amparado pela sua independência funcional, de modo que não teria havido
qualquer infração disciplinar a ser apurada. Vejamos a Ementa:
RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PROMOTOR DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. SUPOSTA PRÁTICA DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. HIPÓTESE
QUE PODE CONFIGURAR INFRAÇÃO DISCIPLINAR. COMUNICAÇÃO DA CORREGEDOR1A-GERAL DO
MPPA SOBRE O ARQUIVAMENTO NA ORIGEM. SOLICITAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO PELO PROMOTOR
DE JUSTIÇA À AUTORIDADE POLICIAL NÃO CONFIGURADORA DE ABUSO DE DIREITO.
ARQUIVAMENTO POR NÃO INCIDÊNCIA DE
reclamado que deu causa ao
processamento, mesmo sabendo ser inocente. O membro reclamado, em entendimento
semelhante solicitou ao Delegado-Chefe da Polícia Civil a abertura de inquérito
policial por também denunciação caluniosa por parte do reclamado. Investigação
essa que mesmo após indiciamento e posterior denúncia, veio a absolvição
sumária do reclamante, motivo que o levou a comunicação à Corregedoria-Geral,
Procuradoria-Geral e Corregedoria Nacional, sob o argumento de abuso de
direito;
3 Em um apuro técnico-jurídico a
Corregedoria- Geral do MPPA entendeu que todas as manifestações e atuação do
membro reclamado estavam sob o amparo da independência funcional, arquivando o
processo disciplinar na origem; 4. Por fim, a análise deste órgão correcional
em entendimento semelhante ao órgão de origem vislumbra não haver cometimento
de infração disciplinar seja no que diz respeito a atuação perante a justiça
militar, seja quando pessoalmente, entendendo ser vítima de denunciação caluniosa
solicita investigação policial aos fatos, não havendo qualquer abuso de direito
ou abuso de autoridade. Logo, promove-se o ARQUIVAMENTO nos termos do art. 77,1
do RICNMP.
Não olvidamos que os Tribunais
Superiores têm optado por receber a denúncia mesmo quando há dúvida sobre a
presença do elemento subjetivo, alegando que a existência ou não do dolo é
circunstância que deve ser analisada somente após a instrução criminal. Neste
caso a atipicidade é manifesta, estampada, patente e eloquente, de forma que o
recebimento da inicial acusatória geraria uma lide temerária, fadada ao
insucesso, como é o presente processo. Ademais, a prova do presente caso é eminentemente
documental e foi em grande parte trazida aos autos pelo Ministério Público, de
modo que já há
elementos de convicção suficientes para
que o relator possa analisar a existência do elemento subjetivo.
Logo, hei de recomendar o não
recebimento da inicial acusatória, em razão da manifesta atipicidade da
conduta, ex vi dos artigos 41 e 395, inciso III, do CPPB, bem como forte na
decisão proferida pelo Conselho do Ministério Público, que promoveu o
arquivamento da reclamação disciplinar.
Ante o exposto, voto pelo não
recebimento da denúncia contra o Promotor de Justiça Armando Brasil Teixeira,
pela prática do crime de denunciação caluniosa, nos termos da fundamentação. É
como voto.
Belém, __ de agosto de 2019.
Des. Rômulo José Ferreira Nunes
Relator ( FOTOS COPIADAS DIREITOS AOS AUTORES).