QUANDO O JUIZ EXIGE SER TRATADO DE
DOUTOR
O STF vai julgar,
provavelmente na próxima semana, uma ação em que um juiz do Estado do Rio de
Janeiro exige ser chamado de doutor e/ou senhor pelos funcionários do prédio
onde mora.
A ação judicial tramita
desde 2004 e já foi, outras vezes, noticiada pelo Espaço Vital - que, aliás,
trouxe o caso com primazia em agosto daquele ano.
O magistrado Antonio
Marreiros da Silva Melo Neto, então juiz titular da 6ª Vara Cível de São
Gonçalo (RJ), certa noite pediu ajuda a um funcionário do condomínio para
conter um vazamento em seu apartamento. Por não ter permissão da síndica para
ingressar nas unidades residenciais privadas, o empregado negou o socorro.
Os dois discutiram. O
funcionário - segundo o juiz - passou a chamá-lo de cara e você, com o intuito
de desrespeitá-lo.
Marreiros logo pediu
para ser tratado como senhor ou doutor.
Fala sério! - teria
sido a resposta do funcionário.
Marreiros, então,
entrou com uma ação na Justiça contra o Condomínio do Edifício Luísa Village e
a síndica Jeanette Granato e pediu antecipação de tutela para obter o
tratamento pessoal-reverencial. Não levou!
Mas alguns dias depois,
em agravo de instrumento, obteve antecipação da tutela recursal, concedida pelo
desembargador Gilberto Dutra Moreira, da 9ª Câmara Cível do TJ-RJ.
A decisão no agravo
mencionou que tratando-se de magistrado, cuja preservação da dignidade e do
decoro da função que exerce, e antes de ser direito do agravante, mas um dever
e, verificando-se dos autos que o mesmo vem sofrendo, não somente em enorme
desrespeito por parte de empregados subalternos do condomínio onde reside, mas
também verdadeiros desacatos, mostra-se, data vênia, teratológica a decisão do
juízo a quo ao indeferir a antecipação de tutela pretendida, escreveu o
desembargador.
Na época, a OAB-RJ
repudiou a decisão. "Todos nós somos seres humanos. Ninguém nessa vida é
melhor do que o outro só porque ostenta um título, independente de ter o
primeiro ou segundo grau completo ou curso superior" - disse o então
presidente da Ordem carioca, advogado Octávio Augusto Brandão Gomes,
A decisão foi
confirmada em março de 2005, quando a 9ª Câmara Cível do TJ-RJ, por maioria
(2x1) proveu o agravo e confirmou a tutela antecipada.
Em maio de 2005, a
sentença que julgou a ação de conhecimento foi contrária aos interesses do juiz
Antonio Marreiros. No julgado, o juiz Alexandre Eduardo Scisinio, escreve que
compreende o "inconformismo" do colega, mas conclui que "não
compete ao Judiciário decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia
ou coisas do gênero".
O juiz sentenciante
também dispôs que "'doutor' não é forma de tratamento, e sim título
acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga
merecedora de um doutoramento".
O julgado monocrático
ainda salientou que "o título de 'doutor' é dado apenas às pessoas que
cumpriram tal exigência e, mesmo assim, no meio universitário".
O juiz Marreiros
ingressou com apelação no TJ-RJ, que decidiu pelo improvimento. Ainda em 2006
aviou recurso extraordinário ao STF, argumentando que "o caso diz respeito
à Constituição por envolver os princípios da dignidade da pessoa humana e da
igualdade".
O recurso teve o
seguimento negado, seguindo-se agravo de instrumento que será julgado nas
próximas semanas pela 2ª Turma do Supremo. O relator é o ministro Ricardo
Lewandowski. (AI nº 860.598). (Publicado
por Espaço Vital).