MANTIDA
CONDENAÇÃO DE JATENE POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Em trabalho
conjunto, os Promotores de Justiça Armando Brasil e Nelson Medrado, promoveram
uma investigação profunda quanto ao desvio de combustível existente nos órgãos públicos
do estado, em especial na polícia Militar e Corpo de Bombeiros, desvendando os
intrépidos Promotores, uma máfia dentro das duas entidades, com ramificações em
outras secretarias.
Diante
da robusteza de provas, inúmeros militares foram denunciados pelo Promotor
Armando Brasil e respondem a processos criminais na Justiça Militar, por
conseguinte, o Promotor de Justiça Nelson Medrado promoveu a Ação Civil Pública
de Improbidade Administrativa contra o governo do estado em razão de inúmeras fraudes
perpetradas pela administração Jatene, tendo a Ação aportada no juízo da 4ª
Vara da Fazenda Pública onde foram sentenciados os autos condenando o estado e
autores das fraudes.
Esse trabalho
perspicaz dos dois sapientes e atuantes membros do Ministério Público do Estado
– Armando Brasil e Nelson Medrado, lhes levaram a uma perseguição desenfreada
dentro do MP, especialmente quando chegou ao poder/Procurador Geral,
politicamente, o Promotor de Justiça Gilberto Valente, afilhado politico de
Jatene. Porém, todos os atos praticados contra essas duas reservas morais do MP
paraense, foram fulminadas tanto administrativamente como judicialmente.
Ressalte-se que hoje
Nelson Medrado é Procurador de Justiça, com todas as honras, que bem merece por
ser uma das maiores reservas morais do nosso Ministério Público do Estado do
Pará.
Mas voltemos a
Ação Judicial, que após sentenciada no juízo de Primeiro Grau, ancora no de
Segundo Grau, na forma de Agravo de Instrumento, buscando os condenados a
reforma da sentença, o que não acontecera, visto a decisão do celebrado
desembargador Roberto Moura, que em sua sapiência de magistrado, como relator
do feito, NEGOU PROVIMENTO, sendo acompanhado seu voto à Unanimidade por seus
pares junto a a 1{ Turma de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do
Pará.
Para melhor
compreensão dos leitores, faço transcrição de parte da Ementa, Decisão e
Acordão.
DISTRIBUIDORA EQUADOR DE PRODUTOS DE PETROLEO LTDA
(AGRAVANTE)
GEANDRIA CRISTINA SILVA DA SILVA (ADVOGADO)
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARA (AGRAVADO)
ALBERTO LIMA DA SILVA JATENE (AGRAVADO) ALBERTO LIMA DA
SILVA JATENE (ADVOGADO)
ALICE VIANA SOARES MONTEIRO (AGRAVADO) AMANDA CRISTINA
FERREIRA (ADVOGADO)
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ (AUTORIDADE)
MANOEL SANTINO NASCIMENTO JUNIOR (PROCURADOR)
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - 0806244-81.2019.8.14.0000
AGRAVANTE: DISTRIBUIDORA EQUADOR DE PRODUTOS DE PETROLEO LTDA AGRAVADO:
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO PARA, ALBERTO LIMA DA SILVA JATENE, ALICE VIANA
SOARES MONTEIRO
RELATOR(A):
Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA
EMENTA
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO DO
BROCARDO INDUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ATO ÍMPROBO.
NEPOTISMO LICITATÓRIO. POSSÍVEL FAVORECIMENTO DE FAMILIAR DE AUTORIDADE
POLÍTICA EM EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO POR INTERMÉDIO DE EMPRESA
VENCEDORA DA LICITAÇÃO NA MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO. VIOLAÇÃO, EM TESE, DOS
PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE DE
DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO NA HIPÓTESE EM TELA. ELEMENTO SUBJETIVO QUE
SE MATERIALIZA COM O DOLO GENÉRICO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO
UNÂNIME. ACÓRDÃO Vistos, etc. Acordam os Excelentíssimos Senhores
Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, por unanimidade de votos, conhecer o recurso de
Agravo de Instrumento e lhe negar provimento, tudo de acordo com o voto do
Desembargador Relator. Plenário da Primeira Turma de Direito Público do Tribunal
de Justiça do Estado do Pará, aos 13 (treze) dias do mês de julho do ano de
dois mil e vinte. Turma Julgadora Desembargadores Ezilda Pastana Mutran
(Presidente), Roberto Gonçalves de Moura (Relator) e Maria Elvina Gemaque
Taveira (Membro) Belém/PA, 13 de julho de 2020.
Desembargador ROBERTO
GONÇALVES DE MOURA Relator
RELATÓRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ
RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE
MOURA
(RELATOR):
Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito
suspensivo, interposto pelo DISTRIBUIDORA EQUADOR DE PRODUTOS DE PETRÓLEO LTDA
visando a reforma da decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara de Fazenda Pública
da Comarca da Capital que, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,
proc. nº 0320293-62.2016.8.14.0301, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL,
recebeu a peça de ingresso em relação a agravante. Em suas razões constantes no
id. 2005703, págs. 01/29, relata o agravante que a ação ao norte mencionada foi
aforada pelo 2º Promotor de Justiça Militar, Armando Brasil Teixeira, e pelo
Procurador Nelson Pereira Medrado, com lastro no Inquérito Civil nº
001/2014/2ªPJM. Diz que referido procedimento foi instaurado para apurar
delação feita pelos candidatos ao Governo Estadual nas eleições de 2014, que
noticiava possíveis irregularidades nos abastecimentos de combustível nas
viaturas da Polícia e Corpo de Bombeiros Militares, uma vez que eram realizados
em postos em que figurava como sócio proprietário familiar do então Governador
do Estado. Relata a agravante que a peça vestibular apresenta a tese de
existência de ato de improbidade administrativa em seu desfavor pelo fato de
ter permitido o cadastramento de postos em que figura como sócio proprietário
Alberto Lima da Silva Jatene, filho do então Governador do Estado à época, para
o abastecimento das viaturas pertencentes às Corporações militares citadas.
Tece a recorrente fundamentos a respeito da inexistência de justa causa em
relação a si. Diz que não restou evidenciada sua participação no sentido de que
pudesse justificar seu enquadramento como ré, dado que não há nenhuma imputação
contra si que tenha causado prejuízo ao erário. Diz que o Auto Posto Verdão
LTDA, do qual é sócio Alberto Lima da Silva Jatene, já integrava a rede
credenciada da Petrobras Distribuidora S/A por intermédio do sistema CTF e do
Cartão Combustível BANPARÁ com o qual atendia os órgãos do governo antes do
Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011. Esclarece que no edital do referido
procedimento, não havia restrição ao credenciamento de postos de combustíveis
de propriedade dos agentes públicos. Afirma a recorrida que após se sagrar
vencedora do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, passou a fornecer os serviços
licitados em conformidade com a Lei nº 8.666/93 c/c a Lei nº 10.520/02 e que a
implementação do sistema promoveu economia de despesa com o abastecimento da
frota do Governo do Estado. Explana que com o tempo exíguo para ampliar a rede
credenciada no sistema PETROCARD, valeu-se do rol de postos de combustíveis já
cadastrados no sistema Cartão Combustível do BANPARÁ, de tal sorte que não
mantinha qualquer relação comercial com o Auto Posto Verdão LTDA, Posto
Girassol LTDA e Posto Umarizal, nos quais o filho do Governador do Estado à
época possui participação societária.
Esclarece que, em conformidade com as provas, o Auto Posto
Verdão LTDA foi cadastrado no sistema PETROCARD em 20/01/2012, enquanto que o
Posto Girassol LTDA foi cadastrado no referido sistema em 11/01/2013. Alude,
ainda, que somente tomou conhecimento de que os postos em que o descendente do
então Governador à época fornecia combustível a frota da Polícia e Corpo de
Bombeiros Militares a quando da instauração do Inquérito Civil nº
001/2014/2ªPJM. Diz que competia exclusivamente ao condutor/operador da unidade
consumidora, de posse de seu cartão magnético, a escolha de qual posto de
combustível iria abastecer, podendo eleger dentre os 276 (duzentos e setenta e
seis) postos de combustíveis cadastrados pelo sistema PETROCARD. Salienta a
agravante que não resta demonstrado qualquer indício de elemento subjetivo de
sua parte, o que inviabiliza o seu enquadramento no artigo 11 da Lei nº
8.429/92. Frisa que o recorrido não cumpriu com o requisito que impõe que a
Ação de Improbidade seja instruída com documentos de justificação ou contenham
indícios suficientes da existência do ato ímprobo, de tal sorte que a demanda
carece de justa causa e ensejar o seu processamento. Cita jurisprudências que
entende serem favoráveis a tese exposta. Prossegue afirmando, a agravante,
fundamentos a respeito da inexistência de ato ilícito. Aduz que não houve
participação alguma de sua parte no suposto esquema de direcionamento na compra
de combustíveis, bem como não houve investigação a respeito de fraude envolvendo
militares condutores de viaturas e seus superiores. Assevera a recorrente que
nenhuma sociedade empresária da qual faz parte o descendente do Governador à
época participou do Pregão Eletrônico SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, bem como que
nenhum dos postos dele mantinha qualquer relação comercial consigo. Afirma,
ainda, que a Secretaria de Administração (SEAD) deu ampla publicidade ao
procedimento licitatório com vistas à contratação de empresa para abastecimento
de combustível e, por fim, que o procedimento em tela cumpriu fielmente todas
as exigências legais. Tece argumentos a respeito da inexistência de dano ao
erário, tanto é que a inicial de improbidade foi calcada no artigo 11, I, da
Lei nº 8.429/02, bem como não há acusação de superfaturamento do insumo.
Conclui esse ponto afirmando que com a implementação do sistema PETROCARD, no
ano de 2013, o Estado do Pará obteve a redução de R$4.000.0000,00 (quatro
milhões de reais) com abastecimento de combustíveis. Disserta, igualmente, a
respeito da ausência de dolo a ensejar a sua responsabilização por improbidade
administrativa. Alude que a ausência do elemento subjetivo importa em não
admissão das condutas previstas no artigo 11 da Lei nº 8.489/92 e que para que
o particular seja alçado à condição de réu, faz-se necessário a demonstração do
nexo de causalidade entre o benefício direto ou indireto auferido pela prática
em conjunto, o que não restou evidenciado. Cita precedentes que entende serem
favoráveis a tese exposta. Postula a agravante conhecimento do recurso, a
concessão de efeito suspensivo à decisão de recebimento da inicial e, por fim,
o seu total provimento com a finalidade de reforma do pronunciamento atacado e
a sua consequente exclusão da lide. Em decisão constante no id. 2031498, págs.
01/05, indeferi o pedido de efeito suspensivo.
Foram apresentadas contrarrazões no id. 2063960, págs.
01/07, tendo o Ministério Público, após breve exposição dos fatos, argumentado
sobre a impossibilidade de discussão de questões meritórias em decisão de
saneamento. Sustenta, igualmente, fundamentos acerca da existência de justa
causa para o processamento da Ação Civil Pública proposta, dado que há indícios
de ato ilícito praticado pela agravante em conluio com os demais envolvidos.
Aduz que o Inquérito Civil nº 001/2014/2ºPJM foi instaurado para apurar as
delações feitas pelos candidatos ao Governo do Pará nas eleições de 2014, sendo
nele apurado que houve irregularidades no abastecimento de viaturas da Polícia
e Corpo de Bombeiros Militares em posto de combustível de propriedade de
familiar de exgovernador. Esclarece que a Secretaria de Estado de
Administração, em 19/10/2011, realizou Pregão Eletrônico visando a contratação
de pessoa jurídica para abastecimento de combustíveis, com utilização de cartão
magnético, para veículos pertencentes aos entes da Administração Pública,
sagrando-se como vencedora a recorrente. Diz que a Polícia e Corpo de Bombeiros
Militares celebraram com elas o contrato de nº 72/2011-DAL/PMPA. Prossegue
afirmando que a agravada possui 214 (duzentos e quatorze) postos de
combustíveis cadastrados para o fornecimento de combustível aos veículos
oficiais. Frisa que dentre as unidades mencionadas, constou o Posto Girassol
LTDA, cujo proprietário é o Sr. Alberto Lima Jatene, filho do ex-governador do
Estado. Alude que o Sr. Alberto Lima Jatene cadastrou seus postos de
combustíveis junto à agravante sem nenhuma espécie de restrição ou impedimento,
passando, com isso, a fornecer combustível para o Estado. Expõe que a conduta
afronta os princípios da moralidade e impessoalidade previsto no artigo 37 da
Constituição da República. Assevera que, de acordo com o apurado, o Auto Posto
Verdão LTDA, de propriedade do filho do então Governador à época, foi a unidade
que mais comercializou combustível para o Estado do Pará, totalizando durante
período de janeiro/2012 a outubro/2014, o valor de R$5.020.235,40 (cinco
milhões e vinte mil e duzentos e trinta e cinco reais e quarenta centavos).
Sustenta que em razão do ato ímprobo apontado, a manutenção da decisão é medida
que se impõe. Instado a se manifestar, o Ministério Público com assento neste
grau, em pronunciamento constante no id. 2320592, págs. 01/04, pronunciou-se
pelo desprovimento do recurso. É o relato do necessário.
VOTO
VOTO O EXMO. SR.
DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE MOURA
(RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o
recurso e passo à sua análise meritória.
Cuida-se de recurso de agravo de instrumento aviado contra
decisão proferida em sede de Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa
no ponto em que recebeu a petição inicial pelo fato de ter cadastrado postos de
combustíveis em que figura como sócio-proprietário descendente do Governador do
Estado à época, o que, em tese, configuraria infringência aos princípios
constitucionais da moralidade e impessoalidade. Em se tratando de improbidade
administrativa, em conformidade com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), basta
a presença de indícios de cometimento de atos de improbidade a fim de que seja
autorizado o recebimento da petição inicial da Ação Civil Pública destinada à
apuração de condutas que se enquadrem na Lei nº 8.429/92, uma vez que, nesta
fase, vigora o princípio do indubio pro societate. Nesse sentido, o seguinte
precedente: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. ADMINISTRATIVA.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 17, § 8º, DA LEI 8.429/1992.
INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ATOS DE IMPROBIDADE. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN
DUBIO PRO SOCIETATE. SÚMAS 7/STJ, 283 E 2ST. INAPLICABILIDADE. 1. A
jurisprudência desta Corte tem asseverado que "é suficiente a demonstração
de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria, para que se
determine o processamento da ação, em obediência ao princípio do in dubio pro
societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse público"
(REsp 1.197.406/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22/8/2013).
2. Como deflui da expressa dicção do § 8º do art. 17 da Lei nº 8.429/92,
somente será possível a pronta rejeição da ação, pelo magistrado, caso resulte
convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou
da inadequação da via eleita. [...] 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no
REsp 1495755/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em
20/02/2018, DJe 05/03/2018) No caso, analisando o pronunciamento impugnado,
dele se extrai que o juízo de piso, após a análise das provas constantes nos
autos, entendeu haver indícios de ato de improbidade administrativa por
infringência a princípio administrativo, pois se denota do exame do caderno
digital, que o Sr. Alberto Lima Jatene, filho do então Governador do Estado à
época dos fatos, através da recorrente, forneceu combustível à Administração
estadual sem nenhuma restrição. Em sua defesa, discorre a agravante que o
edital do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011 não previu nenhuma restrição ao
credenciamento de postos de combustíveis de propriedade de parentes de agentes
públicos a configurar justa causa para o recebimento da peça vestibular. Sem
razão a recorrente, senão vejamos. Acontece que a ela, na qualidade de
vencedora do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, competia zelar pela regularidade
do cadastramento dos postos de combustíveis que iriam fornecer o insumo à Administração
estadual, isso fazendo na ocasião da análise dos atos constitutivos de cada
unidade que se candidatasse. Assim, qualquer irregularidade que pudesse ser
aferida na referida fase deveria, no mínimo, ser reportada ao poder licitante,
algo que não aconteceu.
Nesse diapasão, revela-se frágil o argumento elencado pela
recorrente no sentido de inexistir vedação para contratação de empresas de
propriedade de gestor público, porquanto a proibição decorre da interpretação
das normas constitucionais e infralegais. Sobremais, surge como da maior
importância no caso concreto dar relevância aos princípios da impessoalidade,
da moralidade e da probidade no trato da coisa pública. Na situação sob exame,
não se desconhece, é verdade, a inexistência de proibição explícita no texto da
Lei nº 8.666/93 para a contratação de empresas por entes públicos, cujos
proprietários mantenham relação de parentesco próximo com o titular do poder
licitante. Essa omissão, todavia, não autoriza o descumprimento de princípios
constitucionais que, naturalmente, são hierarquicamente superiores à norma
legal em apreço e, que, de alguma forma, estão implícitos na Lei de Licitações,
“verbis”: Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será
processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Por outro lado, em que pese
não haver restrição formal em caso de nepotismo licitatório, não é de se olvidar
que a celebração de contratos administrativo com parentes de agentes públicos
que detenha poder de influir no processo licitatório, em tese, violam os
princípios da moralidade e impessoalidade administrativa, prevista no artigo
37, “caput”, da Constituição da República, “in verbis”: “A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)” A respeito do
princípio da moralidade e da probidade aplicada à licitação, assim dispõe a
doutrina: “O princípio da moralidade, (...), exige da Administração
comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a moral, os bons
costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de
equidade, a ideia comum de honestidade. A Lei no 8.666/93 faz referência à
moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora prevista na
Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange uma
esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a
probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem
mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição estabelece
sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4o)” (Direito
administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 31. ed. rev. atual e ampl. –
Rio de Janeiro: Forense, 2018). Registre-se que a irregularidade apontada na
peça vestibular, em tese, afronta os princípios constitucionais já citados que
devem orientar a atuação da Administração Pública e, mesmo que a Lei de
Licitações não possua dispositivo vedando expressamente a participação de
familiares em execução de contratos em que o agente político atue na condição
de autoridade máxima do poder licitante, vê-se que foi essa a intenção
axiológica do legislador ao estabelecer o dispositivo citado, vedando a prática
de conflito de interesse nas licitações públicas, ainda mais em casos como o
ora apreciado em que se promoveu a contratação de empresa na qual figura como
sócio-proprietário filho do Governador do Estado à época. No mais, o ato de
improbidade administrativa por violação a princípios administrativos conforme
prescreve o artigo 11 da Lei nº 8.429/92 não requer a demonstração de prejuízo
ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige a demonstração de dolo, o
qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico.
Nesse sentido, o seguinte precedente: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DIRECIONAMENTO DE PROCESSO DE LICITAÇÃO.
EXISTÊNCIA ELEMENTO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.
INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO. OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL.
COMPETÊNCIA DO STF. (...) 5. Quanto ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, a
jurisprudência do STJ, com relação ao resultado do ato, firmou-se no sentido de
que configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que,
em regra, independe da ocorrência de dano ou lesão ao Erário. 6. O entendimento
do STJ é de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como
incurso nas prescrições da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a
demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos
previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo
10. Portanto, o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei
8.429/1992 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser
específico, sendo suficiente o dolo genérico. (...) (REsp 1790617/SP, Rel.
Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 25/04/2019)
Nesse diapasão, em que pese as razões elencadas no recurso, não se vislumbro
razões para a reforma da decisão hostilizada, uma vez que, presentes os
indícios de improbidade administrativa por favorecimento de familiar de
autoridade política a quando de execução de contrato administrativo, bem como a
ausência de aferição pela agravante, por ocasião do cadastro, de regularidade
dos postos de combustíveis que forneceriam o insumo à Administração, é de ser
processada a presente ação para os fins a que se destina. Ante o exposto, NEGO
PROVIMENTO ao presente recurso de agravo de instrumento. É como o voto.
Belém/PA, 13 de julho de 2020.
Desembargador ROBERTO
GONÇALVES DE MOURA Relator
Belém, 22/07/2020
RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE
MOURA
(RELATOR):
Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO, com pedido de efeito
suspensivo, interposto pelo DISTRIBUIDORA EQUADOR DE PRODUTOS DE PETRÓLEO LTDA
visando a reforma da decisão proferida pelo Juízo da 4ª Vara de Fazenda Pública
da Comarca da Capital que, nos autos da AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA, proc. nº 0320293-62.2016.8.14.0301, ajuizada pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL, recebeu a peça de ingresso em relação a agravante. Em suas
razões constantes no id. 2005703, págs. 01/29, relata o agravante que a ação ao
norte mencionada foi aforada pelo 2º Promotor de Justiça Militar, Armando
Brasil Teixeira, e pelo Procurador Nelson Pereira Medrado, com lastro no
Inquérito Civil nº 001/2014/2ªPJM. Diz que referido procedimento foi instaurado
para apurar delação feita pelos candidatos ao Governo Estadual nas eleições de
2014, que noticiava possíveis irregularidades nos abastecimentos de combustível
nas viaturas da Polícia e Corpo de Bombeiros Militares, uma vez que eram
realizados em postos em que figurava como sócio proprietário familiar do então
Governador do Estado. Relata a agravante que a peça vestibular apresenta a tese
de existência de ato de improbidade administrativa em seu desfavor pelo fato de
ter permitido o cadastramento de postos em que figura como sócio proprietário
Alberto Lima da Silva Jatene, filho do então Governador do Estado à época, para
o abastecimento das viaturas pertencentes às Corporações militares citadas.
Tece a recorrente fundamentos a respeito da inexistência de justa causa em
relação a si. Diz que não restou evidenciada sua participação no sentido de que
pudesse justificar seu enquadramento como ré, dado que não há nenhuma imputação
contra si que tenha causado prejuízo ao erário. Diz que o Auto Posto Verdão
LTDA, do qual é sócio Alberto Lima da Silva Jatene, já integrava a rede
credenciada da Petrobras Distribuidora S/A por intermédio do sistema CTF e do
Cartão Combustível BANPARÁ com o qual atendia os órgãos do governo antes do
Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011. Esclarece que no edital do referido
procedimento, não havia restrição ao credenciamento de postos de combustíveis
de propriedade dos agentes públicos. Afirma a recorrida que após se sagrar
vencedora do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, passou a fornecer os serviços
licitados em conformidade com a Lei nº 8.666/93 c/c a Lei nº 10.520/02 e que a
implementação do sistema promoveu economia de despesa com o abastecimento da
frota do Governo do Estado. Explana que com o tempo exíguo para ampliar a rede
credenciada no sistema PETROCARD, valeu-se do rol de postos de combustíveis já
cadastrados no sistema Cartão Combustível do BANPARÁ, de tal sorte que não
mantinha qualquer relação comercial com o Auto Posto Verdão LTDA, Posto
Girassol LTDA e Posto Umarizal, nos quais o filho do Governador do Estado à
época possui participação societária.
Esclarece que, em conformidade com as provas, o Auto Posto
Verdão LTDA foi cadastrado no sistema PETROCARD em 20/01/2012, enquanto que o
Posto Girassol LTDA foi cadastrado no referido sistema em 11/01/2013. Alude,
ainda, que somente tomou conhecimento de que os postos em que o descendente do
então Governador à época fornecia combustível a frota da Polícia e Corpo de
Bombeiros Militares a quando da instauração do Inquérito Civil nº
001/2014/2ªPJM. Diz que competia exclusivamente ao condutor/operador da unidade
consumidora, de posse de seu cartão magnético, a escolha de qual posto de
combustível iria abastecer, podendo eleger dentre os 276 (duzentos e setenta e
seis) postos de combustíveis cadastrados pelo sistema PETROCARD. Salienta a agravante
que não resta demonstrado qualquer indício de elemento subjetivo de sua parte,
o que inviabiliza o seu enquadramento no artigo 11 da Lei nº 8.429/92. Frisa
que o recorrido não cumpriu com o requisito que impõe que a Ação de Improbidade
seja instruída com documentos de justificação ou contenham indícios suficientes
da existência do ato ímprobo, de tal sorte que a demanda carece de justa causa
e ensejar o seu processamento. Cita jurisprudências que entende serem
favoráveis a tese exposta. Prossegue afirmando, a agravante, fundamentos a
respeito da inexistência de ato ilícito. Aduz que não houve participação alguma
de sua parte no suposto esquema de direcionamento na compra de combustíveis,
bem como não houve investigação a respeito de fraude envolvendo militares
condutores de viaturas e seus superiores. Assevera a recorrente que nenhuma
sociedade empresária da qual faz parte o descendente do Governador à época
participou do Pregão Eletrônico SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, bem como que nenhum
dos postos dele mantinha qualquer relação comercial consigo. Afirma, ainda, que
a Secretaria de Administração (SEAD) deu ampla publicidade ao procedimento
licitatório com vistas à contratação de empresa para abastecimento de
combustível e, por fim, que o procedimento em tela cumpriu fielmente todas as
exigências legais. Tece argumentos a respeito da inexistência de dano ao
erário, tanto é que a inicial de improbidade foi calcada no artigo 11, I, da
Lei nº 8.429/02, bem como não há acusação de superfaturamento do insumo. Conclui
esse ponto afirmando que com a implementação do sistema PETROCARD, no ano de
2013, o Estado do Pará obteve a redução de R$4.000.0000,00 (quatro milhões de
reais) com abastecimento de combustíveis. Disserta, igualmente, a respeito da
ausência de dolo a ensejar a sua responsabilização por improbidade
administrativa. Alude que a ausência do elemento subjetivo importa em não
admissão das condutas previstas no artigo 11 da Lei nº 8.489/92 e que para que
o particular seja alçado à condição de réu, faz-se necessário a demonstração do
nexo de causalidade entre o benefício direto ou indireto auferido pela prática
em conjunto, o que não restou evidenciado. Cita precedentes que entende serem
favoráveis a tese exposta. Postula a agravante conhecimento do recurso, a
concessão de efeito suspensivo à decisão de recebimento da inicial e, por fim,
o seu total provimento com a finalidade de reforma do pronunciamento atacado e
a sua consequente exclusão da lide. Em decisão constante no id. 2031498, págs.
01/05, indeferi o pedido de efeito suspensivo.
Foram apresentadas contrarrazões no id. 2063960, págs.
01/07, tendo o Ministério Público, após breve exposição dos fatos, argumentado
sobre a impossibilidade de discussão de questões meritórias em decisão de
saneamento. Sustenta, igualmente, fundamentos acerca da existência de justa
causa para o processamento da Ação Civil Pública proposta, dado que há indícios
de ato ilícito praticado pela agravante em conluio com os demais envolvidos.
Aduz que o Inquérito Civil nº 001/2014/2ºPJM foi instaurado para apurar as
delações feitas pelos candidatos ao Governo do Pará nas eleições de 2014, sendo
nele apurado que houve irregularidades no abastecimento de viaturas da Polícia
e Corpo de Bombeiros Militares em posto de combustível de propriedade de
familiar de exgovernador. Esclarece que a Secretaria de Estado de
Administração, em 19/10/2011, realizou Pregão Eletrônico visando a contratação
de pessoa jurídica para abastecimento de combustíveis, com utilização de cartão
magnético, para veículos pertencentes aos entes da Administração Pública,
sagrando-se como vencedora a recorrente. Diz que a Polícia e Corpo de Bombeiros
Militares celebraram com elas o contrato de nº 72/2011-DAL/PMPA. Prossegue
afirmando que a agravada possui 214 (duzentos e quatorze) postos de
combustíveis cadastrados para o fornecimento de combustível aos veículos
oficiais. Frisa que dentre as unidades mencionadas, constou o Posto Girassol
LTDA, cujo proprietário é o Sr. Alberto Lima Jatene, filho do ex-governador do
Estado. Alude que o Sr. Alberto Lima Jatene cadastrou seus postos de
combustíveis junto à agravante sem nenhuma espécie de restrição ou impedimento,
passando, com isso, a fornecer combustível para o Estado. Expõe que a conduta
afronta os princípios da moralidade e impessoalidade previsto no artigo 37 da
Constituição da República. Assevera que, de acordo com o apurado, o Auto Posto
Verdão LTDA, de propriedade do filho do então Governador à época, foi a unidade
que mais comercializou combustível para o Estado do Pará, totalizando durante
período de janeiro/2012 a outubro/2014, o valor de R$5.020.235,40 (cinco
milhões e vinte mil e duzentos e trinta e cinco reais e quarenta centavos).
Sustenta que em razão do ato ímprobo apontado, a manutenção da decisão é medida
que se impõe. Instado a se manifestar, o Ministério Público com assento neste
grau, em pronunciamento constante no id. 2320592, págs. 01/04, pronunciou-se
pelo desprovimento do recurso. É o relato do necessário.
VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR ROBERTO GONÇALVES DE MOURA
(RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o
recurso e passo à sua análise meritória. Cuida-se de recurso de agravo de
instrumento aviado contra decisão proferida em sede de Ação Civil Pública por
Improbidade Administrativa no ponto em que recebeu a petição inicial pelo fato
de ter cadastrado postos de combustíveis em que figura como sócio-proprietário
descendente do Governador do Estado à época, o que, em tese, configuraria infringência
aos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade. Em se tratando
de improbidade administrativa, em conformidade com o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), basta a presença de indícios de cometimento de atos de
improbidade a fim de que seja autorizado o recebimento da petição inicial da
Ação Civil Pública destinada à apuração de condutas que se enquadrem na Lei nº
8.429/92, uma vez que, nesta fase, vigora o princípio do indubio pro societate.
Nesse sentido, o seguinte precedente: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO.
IMPROBIDADE. ADMINISTRATIVA. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 17, §
8º, DA LEI 8.429/1992. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ATOS DE IMPROBIDADE.
PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. SÚMAS 7/STJ, 283 E 2ST. INAPLICABILIDADE.
1. A jurisprudência desta Corte tem asseverado que "é suficiente a
demonstração de indícios razoáveis de prática de atos de improbidade e autoria,
para que se determine o processamento da ação, em obediência ao princípio do in
dubio pro societate, a fim de possibilitar o maior resguardo do interesse
público" (REsp 1.197.406/MS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,
DJe 22/8/2013). 2. Como deflui da expressa dicção do § 8º do art. 17 da Lei nº
8.429/92, somente será possível a pronta rejeição da ação, pelo magistrado,
caso resulte convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência
da ação ou da inadequação da via eleita. [...] 5. Agravo regimental não
provido. (AgRg no REsp 1495755/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 20/02/2018, DJe 05/03/2018) No caso, analisando o pronunciamento
impugnado, dele se extrai que o juízo de piso, após a análise das provas
constantes nos autos, entendeu haver indícios de ato de improbidade
administrativa por infringência a princípio administrativo, pois se denota do
exame do caderno digital, que o Sr. Alberto Lima Jatene, filho do então
Governador do Estado à época dos fatos, através da recorrente, forneceu
combustível à Administração estadual sem nenhuma restrição. Em sua defesa,
discorre a agravante que o edital do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011 não previu
nenhuma restrição ao credenciamento de postos de combustíveis de propriedade de
parentes de agentes públicos a configurar justa causa para o recebimento da
peça vestibular.
Sem razão a recorrente, senão vejamos. Acontece que a ela,
na qualidade de vencedora do Pregão SEAD/DGL/SRP nº 16/2011, competia zelar
pela regularidade do cadastramento dos postos de combustíveis que iriam
fornecer o insumo à Administração estadual, isso fazendo na ocasião da análise
dos atos constitutivos de cada unidade que se candidatasse. Assim, qualquer
irregularidade que pudesse ser aferida na referida fase deveria, no mínimo, ser
reportada ao poder licitante, algo que não aconteceu. Nesse diapasão, revela-se
frágil o argumento elencado pela recorrente no sentido de inexistir vedação
para contratação de empresas de propriedade de gestor público, porquanto a
proibição decorre da interpretação das normas constitucionais e infralegais.
Sobremais, surge como da maior importância no caso concreto dar relevância aos
princípios da impessoalidade, da moralidade e da probidade no trato da coisa
pública. Na situação sob exame, não se desconhece, é verdade, a inexistência de
proibição explícita no texto da Lei nº 8.666/93 para a contratação de empresas
por entes públicos, cujos proprietários mantenham relação de parentesco próximo
com o titular do poder licitante. Essa omissão, todavia, não autoriza o
descumprimento de princípios constitucionais que, naturalmente, são
hierarquicamente superiores à norma legal em apreço e, que, de alguma forma,
estão implícitos na Lei de Licitações, “verbis”: Art. 3º A licitação destina-se
a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da
proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento
nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Por outro lado, em que pese não haver restrição formal em caso de nepotismo
licitatório, não é de se olvidar que a celebração de contratos administrativo
com parentes de agentes públicos que detenha poder de influir no processo
licitatório, em tese, violam os princípios da moralidade e impessoalidade
administrativa, prevista no artigo 37, “caput”, da Constituição da República,
“in verbis”: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
(...)” A respeito do princípio da moralidade e da probidade aplicada à
licitação, assim dispõe a doutrina: “O princípio da moralidade, (...), exige da
Administração comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a
moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de
justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade. A Lei no 8.666/93 faz
referência à moralidade e à probidade, provavelmente porque a primeira, embora
prevista na Constituição, ainda constitui um conceito vago, indeterminado, que abrange
uma esfera de comportamentos ainda não absorvidos pelo Direito, enquanto a
probidade ou, melhor dizendo, a improbidade administrativa já tem contornos bem
mais definidos no direito positivo, tendo em vista que a Constituição
estabelece sanções para punir os servidores que nela incidem (art. 37, § 4o)”
(Direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 31. ed. rev. atual
e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018). Registre-se que a irregularidade
apontada na peça vestibular, em tese, afronta os princípios constitucionais já
citados que devem orientar a atuação da Administração Pública e, mesmo que a
Lei de Licitações não possua dispositivo vedando expressamente a participação
de familiares em execução de contratos em que o agente político atue na
condição de autoridade máxima do poder licitante, vê-se que foi essa a intenção
axiológica do legislador ao estabelecer o dispositivo citado, vedando a prática
de conflito de interesse nas licitações públicas, ainda mais em casos como o
ora apreciado em que se promoveu a contratação de empresa na qual figura como
sócio-proprietário filho do Governador do Estado à época. No mais, o ato de
improbidade administrativa por violação a princípios administrativos conforme
prescreve o artigo 11 da Lei nº 8.429/92 não requer a demonstração de prejuízo
ao erário ou de enriquecimento ilícito, mas exige a demonstração de dolo, o
qual, contudo, não necessita ser específico, sendo suficiente o dolo genérico.
Nesse sentido, o seguinte precedente: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO
DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DIRECIONAMENTO DE PROCESSO DE LICITAÇÃO.
EXISTÊNCIA ELEMENTO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. DENUNCIAÇÃO DA LIDE.
INEXISTÊNCIA DE DIREITO DE REGRESSO. OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA
DO STF. (...) 5. Quanto ao artigo 11 da Lei 8.429/1992, a jurisprudência do
STJ, com relação ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que configura ato
de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em regra, independe
da ocorrência de dano ou lesão ao Erário. 6. O entendimento do STJ é de que,
para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas
prescrições da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração
do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos
artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. Portanto,
o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/1992 exige
a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo
suficiente o dolo genérico. (...) (REsp 1790617/SP, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 25/04/2019) Nesse diapasão,
em que pese as razões elencadas no recurso, não se vislumbro razões para a
reforma da decisão hostilizada, uma vez que, presentes os indícios de
improbidade administrativa por favorecimento de familiar de autoridade política
a quando de execução de contrato administrativo, bem como a ausência de
aferição pela agravante, por ocasião do cadastro, de regularidade dos postos de
combustíveis que forneceriam o insumo à Administração, é de ser processada a
presente ação para os fins a que se destina. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao
presente recurso de agravo de instrumento. É como o voto. Belém/PA, 13 de julho
de 2020.
Desembargador ROBERTO
GONÇALVES DE MOURA
Relator
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO DO
BROCARDO INDUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS DE COMETIMENTO DE ATO ÍMPROBO.
NEPOTISMO LICITATÓRIO. POSSÍVEL FAVORECIMENTO DE FAMILIAR DE AUTORIDADE
POLÍTICA EM EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO POR INTERMÉDIO DE EMPRESA
VENCEDORA DA LICITAÇÃO NA MODALIDADE PREGÃO ELETRÔNICO. VIOLAÇÃO, EM TESE, DOS
PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE DE
DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO NA HIPÓTESE EM TELA. ELEMENTO SUBJETIVO QUE
SE MATERIALIZA COM O DOLO GENÉRICO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. DECISÃO
UNÂNIME. ACÓRDÃO Vistos, etc. Acordam os Excelentíssimos Senhores
Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Público do Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, por unanimidade de votos, conhecer o recurso de
Agravo de Instrumento e lhe negar provimento, tudo de acordo com o voto do
Desembargador Relator. Plenário da Primeira Turma de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado do Pará, aos 13 (treze) dias do mês de julho do
ano de dois mil e vinte. Turma Julgadora Desembargadores Ezilda Pastana Mutran
(Presidente), Roberto Gonçalves de Moura (Relator) e Maria Elvina Gemaque
Taveira (Membro) Belém/PA, 13 de julho de 2020.
Desembargador ROBERTO GONÇALVES DE MOURA Relator.
(Fotos ilustrativas copiadas com direitos aos autores).